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O Gato leu: O Conto da Aia – GatoQueFlutua

O Gato leu: O Conto da Aia

O Conto da Aia – Margaret Atwood
Editora: Rocco
Ano: 2017
Páginas: 368
Compre: Amazon

Ironia do destino ou não, neste atual momento politico do nosso país eu li O Conto da Aia, livro Margaret Atwood ambientado num Estado teocrático e totalitário em que as mulheres são vítimas preferenciais de opressão, tornando-se propriedade do governo.

Acompanhamos a história de Offred, uma aia na casa de um comandante do alto escalão do exército de Gilead, a nova república. Neste futuro não tão distante do nosso, o mundo foi devastado pela radiação, guerra e esgotamento de recursos naturais.

Terra infértil e mulheres inférteis

A taxa de natalidade no que outrora foram os Estados Unidos caiu de maneira alarmante. Em alguns anos, pode não haver mais raça humana no planeta.

Poucas mulheres são férteis, dessa maneira, elas tornaram-se preciosas. Não dá para deixar que os futuros bebês do país sejam gerados através das escolhas comuns. Os bebês de Gilead devem ser filhos das pessoas mais nobres. Assim, um governo fundamentalista se fortalece como força política. Direitos são retirados, vozes são silenciadas, pessoas são mortas em nome disso.

Conto, em vez de escrever, porque não tenho nada com que escrever e, de todo modo, escrever é proibido. (Pág. 52)

Offred e outras tantas aias como ela só tem uma função: procriar. Elas são propriedade e devem seguir regras com base em um caminho biológico, natural e bíblico. Ela perde seu marido, filha, emprego, casa, seu nome. O passado que tanto se assemelha ao nosso presente parece tão distante, lembrar dele pode ser um caminho sem volta.

Perda de identidade e luta constante

Através de suas revelações, sentimos sua angústia e a luta para se manter sã, para não se entregar de vez a dor, ao medo, à saudade. Pequenos prazeres, pequenos relances de humanidade para não se deixar dominar pela loucura. O Conto da Aia é melancólico e silencioso, mas também é um grito de socorro. É a esperança de ter alguém do outro lado que se importe, é a vontade de ser ouvida, de ser vista como individuo e não como objeto.

Mas talvez o tédio seja erótico, quando são as mulheres que o fazem, para os homens. (Pág. 85)

Neste momento conturbado da nossa vida politica nacional as relações ficaram enfraquecidas. O pensamento individual ficou na frente do coletivo e a crença em uma solução milagrosa cresceu. Vi muitas semelhanças em Gilead.

Fico pensando em Offred quando reflito sobre o que nos sobra quando nossos direitos são retirados, quando a nossa humanidade é usurpada. A nova república cresce economicamente, mas socialmente ela retrocede. Será que isso é realmente bom?

Estávamos tomando algum tipo de comprimido ou droga, creio, que punham na comida, para nos manter calmas. Mas talvez não. Talvez fosse o próprio lugar em si. Depois do primeiro choque, depois que você havia aprendido a aceitar, era melhor estar letárgica. Você podia dizer a si mesma que estava poupando forças. (Pág. 87)

Para Gilead ser essa tal prosperidade que conta belas história de si ao mundo, todos perderam. A liberdade foi suprimida a tal ponto de que se você não tiver uma função social, você está descartado. Esposas, Aias, Tias, Marthas, Econoesposas. A individualidade das mulheres é eliminada para que elas caibam em uma colocação. Seu novo posto as define.

A cada mês fico vigilante à espera de sangue, temerosamente, pois quando ele vem significa fracasso. Falhei mais uma vez em satisfazer as expectativas dos outros, que se tornaram as minhas próprias expectativas. (Pág. 90)

Machismo e a Gilead na política de hoje

Homens dominam os alto setores da sociedade e do exército. Há uma conivência e uma concordância para que se chegue aonde chegou. A princípio se cede a liberdade por vontade própria, depois não há mais liberdade e nem vontade própria. O sistema os alimenta e eles alimentam o sistema. Apesar de nessa história todos perderem, é inegável que as mulheres perdem mais.

Será que nunca se acabam os seus disfarces, de benevolência? (Pág. 107)

O Conto da Aia nos questiona. Eu não me incomodo que, para que o meu conforto exista, alguém deve ficar desconfortável? Bem-estar social é algo para todos. Segurança em ser quem se é, também.

Quando o poder é escasso, ter um pouco dele é tentador. (Pág. 362)

Adaptação para a televisão em formato de série

O Conto da Aia já foi para a ópera, filme e rádio, mas acho que a melhor maneira de contar essa história a partir do livro é a atual série de TV, The Handmaid’s Tale, do canal pago Hulu e que conta com Elisabeth Moss como Offred.

A autora Margaret Atwood também esta diretamente envolvida com a realização da série, sendo produtora consultora.

Premiada, a adaptação complementa muito a história do livro, além de ampliar muitos aspectos. Na obra original estamos dentro da cabeça de Offred, enquanto na série também acompanhamos as perspectivas e histórias de outros personagens tão complexos e intrigantes quanto.

Vale muito a pena conferir!

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